quarta-feira, 15 de julho de 2015

A inquietante e cansativa ansiedade da alma



                                   (texto escrito em abril / 2015)

"Portanto eu lhes digo: não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa?
Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas? Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? "Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles.
Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé? Portanto, não se preocupem, dizendo:  ‘Que vamos comer? ’ ou ‘que vamos beber? ’ ou ‘que vamos vestir? ’ Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai celestial sabe que vocês precisam delas.
Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas
Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal". (Mt.6:25-34)



Que agitação é essa que faz o indivíduo correr atrás de si mesmo, buscando em primeiro lugar o reino dos homens, como quem almeja todas as demais coisas, na expectativa de parecer útil ao Senhor e atuante diante dos homens, para enfim merecer o acréscimo do Reino de Deus? Como nomear esse transtorno emocional que assola a todos, sem distinção, ao ponto de motivar Jesus a deixar registrado todo um ensinamento, em meio a tantos outros assuntos de igual ou maior importância? Por que nos afligimos tanto diante da incapacidade de resolver hoje, o amanhã? A ansiedade e seus “mods” contemporâneos é um tema bastante discutido e de certa forma incompreendido também, principalmente nos dias atuais, onde o tempo anda escasso e a vontade de fazer o dobro das coisas nos parece dizer que 24h são insuficientes para tanta vida corrida.

Ora, "de que adianta ao homem ganhar o mundo e perder sua própria alma"? Essa pergunta nos é feita todas as vezes que imaginamos que a performance externa deve prevalecer. Porque quando achamos que precisamos de um monte de afazeres, que muitas vezes servem apenas para nos sentirmos mais confortáveis quando nos reunimos, Jesus nos lembra que não estamos cogitando as coisas de Deus, mas as dos homens. E acrescenta: "quer seguir a Mim? negue-se, tome sua cruz e siga-Me".

Mas confundimos esse negar com penitência e a cruz com fardo a ser carregado. Pode parecer estranho, mas muitos de nós acreditamos que estamos realmente fazendo alguma coisa para Deus quando, por exemplo, cuidamos do templo ou cantamos a plenos pulmões os nossos cânticos preferidos.

É curioso isso. Mas um olhar um pouco mais atento percebe a nossa insignificância diante das supostas necessidades do Criador. Pensemos no Universo e todo seu equilíbrio gravitacional, ou no nascimento de estrelas colossalmente maiores do que o nosso Sol ou até mesmo na formação de um DNA que carrega toda a informação necessária para a formação de um ser vivo. Agora paremos e raciocinemos: seria uma canção, feita por mentes terrenas e gritada uma vez por semana, o louvor que Deus espera? Sério mesmo que todo o Universo já não O enaltece mais do que todas as músicas evangélicas do mundo?

"Mas ele lhes respondeu: Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão.” (Lc.19.40)

O que dizer então do nosso desempenho na tarefa de "ganhar vidas para Jesus"? Julgamos o muito falar como sendo o principal. Usamos e abusamos dos jargões batidos e vazios, como quem simplesmente entrega uma mensagem, mas se esquece de vivê-la com intensidade. Nos enxergamos como parte de uma engrenagem gigantesca e nos julgamos fundamentais nessa empreitada universal. Nos preocupamos única e exclusivamente com o vestido da noiva, mas deixamos para amanhã o caráter e a doçura. Pregamos o amor de Deus, mas não perdoamos o próximo. Vestimos as melhores roupas no domingo, mas andamos nus e malcheirosos com nosso testemunho de vida do lado de fora da congregação. Vivemos de dia ao redor do nosso umbigo e sonhamos a noite com a prosperidade da vida.
“Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade.” (Ec.1.2)

Cada panfleto, cada palavra dada, cada gesto de amor é um cuidado a mais no deserto dos homens. Pois quando uma alma se rende a Cristo, ela o faz porque se rendeu ao somatório dos esforços de todos os que, um dia, araram, cultivaram e regaram aquela terra seca. Não é o último (aquele que fez o apelo, como se acredita) que ganha alguém para Deus, mas Deus mesmo ganha todas as coisas e é Dono de tudo, Soberano do tempo de cada um, apesar de nos dar a liberdade de decidir. Ele é Quem domina, gerencia e preserva todas as coisas, ao ponto de confiar a nós a tarefa de evangelizar, algo que certamente Ele faria, muito melhor do que nós mesmos, como já o fez ao longo da nossa existência.






Vivemos e repetimos tudo isso porque não cremos verdadeiramente no amor. Porque se crêssemos, viveríamos a verdadeira religião de amparar os órfãos e as viúvas em suas tribulações. Se percebêssemos a seriedade do perdão de Deus, andaríamos como Ele andou, submissos à Sua vontade e não cheios de nossa arrogância e julgamentos vazios. Se estivéssemos de verdade conectados com o que vem do Alto, não nos lembraríamos apenas que é de lá que vem o nosso socorro, mas que há um só Deus que ama a todos, sem distinção. Se nos arrependêssemos genuinamente, não viveríamos subindo montes e participando das campanhas de libertação, mas olharíamos para o velho homem com desprezo e sem medo de recaídas. E se passássemos a nos comportar como filhos diante Daquele que chamamos de Pai, de fato vivenciaríamos a intimidade familiar e não toda essa cerimônia, transvestida de reverência. 


Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os discípulos os repreendiam.
Quando Jesus viu isso, ficou indignado e lhes disse: "Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele".(Mc.10:13-15)
 


Ao invés disso, preferimos os discursos de ódio e invocamos a “descida do fogo”, que jamais cairá do Céu para derrubar nossos inimigos, pois seres humanos que nos traem, caluniam, roubam e nos magoam, são carentes, assim como nós, da Graça de Deus, e não de um raio que os destruam. Infelizmente, chegamos diante do altar de Deus com as mãos cheias de pedras, prontas para atirar e, repetidamente, precisamos ouvir de Sua boca o mesmo discurso que nos libera a atirar a primeira pedra quando não tivermos nenhum pecado.

E nos perguntamos para onde vai o mundo? Ora, Deus nos deu o direito de escolher e nos advertiu que iríamos de mal a pior, como estamos indo. Mesmo assim, a mensagem de esperança e retidão continua sendo pregada. Em meio a tanta sujeira e desolação, eis que Ele nos lembra que tem conservado uns tantos; todo joelho que não se curvou diante do sistema, e toda boca que não beijou o modelo mundano.

O que dizer da correria despropositada daqueles que foram chamados para cuidar da casa de Deus? Que loucura é essa que nos adoece e nos faz entristecer uns com os outros, gerando toda sorte de especulação maldosa e desentendimento com os irmãos? Por que tantas indiretas e julgamentos pré-formatados acerca de comportamentos geográficos, culturais e sociais das congregações A ou B? Por que tanta ênfase é dada a artistas e pregadores que cobram por shows de música ou palestras teológicas, sob a justificativa de pregar a Palavra de Deus? Acaso não estão fazendo distinção entre os que podem e não podem pagar para receber aquilo que Deus distribuiu em forma de talentos a alguns dos Seus?

Infelizmente, quando paramos para pensar nestas coisas, acabamos nutrindo a mesma desolação e agonia que Jesus nos ensinou que eram nocivas a nossa alma. Mas é impossível não reparar, principalmente quando estamos um pouco afastados do transloucado dia-a-dia dentro da congregação, a falta de lógica que esse afã por desempenho tem. Não faz sentido! A Graça é o presente que está diametralmente oposto a qualquer mérito e esforço humanos. Não é isso que todo o Novo Testamento insiste em dizer?



Certa vez, tendo sido interrogado pelos fariseus sobre quando viria o Reino de Deus, Jesus respondeu: "O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês". (Lc.17:20-21)

Não! O Reino de Deus não está no Vaticano, nem no Templo Maior, nem em qualquer show ou espetáculo pirotécnico com algum símbolo do peixe ou chama acesa. Isso ou aquilo são apenas símbolos, lembretes de que Ele está dentro de nós, dentro daquele que olha para si e vê o reinado de Deus em sua vida, daquele que entendeu que a busca não é esse comichão atrás de holofotes, mas uma entrega. Para buscar o Reino de Deus, por mais ilógico que aos nossos olhos possa parecer, é necessário parar de correr e se entregar.

busca = entrega = crença = confiança = fé.

Jesus nos ensinou a pensar. Talvez porque Ele sabia que viriam os falsos mestres a lecionar doutrinas opostas à simplicidade do Reino. Ao proferir Suas parábolas, Jesus nada mais estava fazendo do que nos ensinando a discernir através dos elementos cotidianos e minimalistas do mundo. Pois, já que estamos inseridos no mundo, por óbvio que vamos nos mover de acordo com o que vemos.


Ele prosseguiu dizendo: "O Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente sobre a terra. Noite e dia, quer ele durma quer se levante, a semente germina e cresce, embora ele não saiba como.
A terra por si própria produz o grão: primeiro o talo, depois a espiga e, então, o grão cheio na espiga. Logo que o grão fica maduro, o homem lhe passa a foice, porque chegou a colheita".
Novamente ele disse: "Com que compararemos o Reino de Deus? Que parábola usaremos para descrevê-lo? É como um grão de mostarda, que, quando plantada, é a menor semente de todas.
No entanto, plantada, ela cresce e se torna a maior de todas as hortaliças, com ramos tão grandes que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra". (Mc. 4:26-32)

Que a nossa conduta mude, afinal. Que abandonemos essa correria inútil e desenfreada pela aprovação dos homens e passemos a andar no anonimato da obra. Que uma mão não saiba o que a outra fez, pois assim mesmo, em secreto, buscando dentro de nós mesmos a alegria do Senhor, genuinamente amando o amor de Deus é que viveremos a promessa de vida abundante.

Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. (Rm.14.17)
As rotineiras festas dentro do nosso clubinho seleto dos escolhidos não precisam terminar. Mas é necessário dizer que a verdadeira festa Papai preparou para aqueles que amam o Anfitrião e não a comilança. Está preparada para ser celebrada com um coração genuinamente puro e imune às circunstâncias da vida, que entendeu que sua única tarefa é a de repassar esse convite a todos os quais Ele nos enviar.

De nada adianta esse esforço só com o intuito de mostrar serviço ou espiritualidade. Jesus já condenou isso há milênios, quando os fariseus faziam o mesmo nas ruas para serem vistos. O que O Grande Eu Sou espera de nós está lá fora no mundo, de onde Ele quer que tragamos para as bodas, a tantos quantos nossa energia nos permitir.

Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, porque aos seus amados Ele o dá enquanto dormem. (Sl.127.2)

Nenhum comentário:

Postar um comentário