(texto escrito em abril / 2015)
"Portanto eu lhes digo: não se
preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus
próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a
comida, e o corpo mais importante do que a roupa?
Observem as aves do céu: não semeiam nem
colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm
vocês muito mais valor do que elas? Quem de vocês, por mais que se preocupe,
pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? "Por que vocês se preocupam
com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem
tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se
como um deles.
Se Deus veste assim a erva do campo, que
hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens
de pequena fé? Portanto, não se preocupem, dizendo: ‘Que vamos comer? ’ ou ‘que vamos beber? ’ ou
‘que vamos vestir? ’ Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai
celestial sabe que vocês precisam delas.
Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de
Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas
Portanto, não se preocupem com o
amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu
próprio mal". (Mt.6:25-34)
Que agitação é essa que faz o indivíduo
correr atrás de si mesmo, buscando em primeiro lugar o reino dos homens, como
quem almeja todas as demais coisas, na expectativa de parecer útil ao Senhor e
atuante diante dos homens, para enfim merecer o acréscimo do Reino de Deus?
Como nomear esse transtorno emocional que assola a todos, sem distinção, ao
ponto de motivar Jesus a deixar registrado todo um ensinamento, em meio a
tantos outros assuntos de igual ou maior importância? Por que nos afligimos
tanto diante da incapacidade de resolver hoje, o amanhã? A ansiedade e seus “mods” contemporâneos é um tema bastante
discutido e de certa forma incompreendido também, principalmente nos dias
atuais, onde o tempo anda escasso e a vontade de fazer o dobro das coisas nos
parece dizer que 24h são insuficientes para tanta vida corrida.
Ora, "de que adianta ao
homem ganhar o mundo e perder sua própria alma"? Essa pergunta nos é feita
todas as vezes que imaginamos que a performance externa deve prevalecer. Porque
quando achamos que precisamos de um monte de afazeres, que muitas vezes servem
apenas para nos sentirmos mais confortáveis quando nos reunimos, Jesus nos
lembra que não estamos cogitando as coisas de Deus, mas as dos homens. E
acrescenta: "quer seguir a Mim? negue-se, tome sua cruz e siga-Me".
Mas confundimos esse negar com
penitência e a cruz com fardo a ser carregado. Pode parecer estranho, mas
muitos de nós acreditamos que estamos realmente fazendo alguma coisa para Deus
quando, por exemplo, cuidamos do templo ou cantamos a plenos pulmões os nossos
cânticos preferidos.
É curioso isso. Mas um olhar um
pouco mais atento percebe a nossa insignificância diante das supostas
necessidades do Criador. Pensemos no Universo e todo seu equilíbrio
gravitacional, ou no nascimento de estrelas colossalmente maiores do que o
nosso Sol ou até mesmo na formação de um DNA que carrega toda a informação
necessária para a formação de um ser vivo. Agora paremos e raciocinemos: seria
uma canção, feita por mentes terrenas e gritada uma vez por semana, o louvor
que Deus espera? Sério mesmo que todo o Universo já não O enaltece mais do que todas
as músicas evangélicas do mundo?
"Mas ele lhes respondeu:
Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão.” (Lc.19.40)
O que dizer então do nosso
desempenho na tarefa de "ganhar vidas para Jesus"? Julgamos o muito
falar como sendo o principal. Usamos e abusamos dos jargões batidos e vazios,
como quem simplesmente entrega uma mensagem, mas se esquece de vivê-la com
intensidade. Nos enxergamos como parte de uma engrenagem gigantesca e nos
julgamos fundamentais nessa empreitada universal. Nos preocupamos única e
exclusivamente com o vestido da noiva, mas deixamos para amanhã o caráter e a
doçura. Pregamos o amor de Deus, mas não perdoamos o próximo. Vestimos as
melhores roupas no domingo, mas andamos nus e malcheirosos com nosso testemunho
de vida do lado de fora da congregação. Vivemos de dia ao redor do nosso umbigo
e sonhamos a noite com a prosperidade da vida.
“Vaidade de vaidades, diz o
Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade.” (Ec.1.2)
Cada panfleto, cada palavra dada,
cada gesto de amor é um cuidado a mais no deserto dos homens. Pois quando uma
alma se rende a Cristo, ela o faz porque se rendeu ao somatório dos esforços de
todos os que, um dia, araram, cultivaram e regaram aquela terra seca. Não é o
último (aquele que fez o apelo, como se acredita) que ganha alguém para Deus,
mas Deus mesmo ganha todas as coisas e é Dono de tudo, Soberano do tempo de
cada um, apesar de nos dar a liberdade de decidir. Ele é Quem domina, gerencia
e preserva todas as coisas, ao ponto de confiar a nós a tarefa de evangelizar, algo
que certamente Ele faria, muito melhor do que nós mesmos, como já o fez ao
longo da nossa existência.
Vivemos e repetimos tudo isso
porque não cremos verdadeiramente no amor. Porque se crêssemos, viveríamos a
verdadeira religião de amparar os órfãos e as viúvas em suas tribulações. Se
percebêssemos a seriedade do perdão de Deus, andaríamos como Ele andou,
submissos à Sua vontade e não cheios de nossa arrogância e julgamentos vazios.
Se estivéssemos de verdade conectados com o que vem do Alto, não nos
lembraríamos apenas que é de lá que vem o nosso socorro, mas que há um só Deus
que ama a todos, sem distinção. Se nos arrependêssemos genuinamente, não
viveríamos subindo montes e participando das campanhas de libertação, mas
olharíamos para o velho homem com desprezo e sem medo de recaídas. E se
passássemos a nos comportar como filhos diante Daquele que chamamos de Pai, de
fato vivenciaríamos a intimidade familiar e não toda essa cerimônia,
transvestida de reverência.
Alguns traziam crianças a Jesus
para que ele tocasse nelas, mas os discípulos os repreendiam.
Quando Jesus viu isso, ficou
indignado e lhes disse: "Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam;
pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a
verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará
nele".(Mc.10:13-15)
Ao invés disso, preferimos os
discursos de ódio e invocamos a “descida do fogo”, que jamais cairá do Céu para
derrubar nossos inimigos, pois seres humanos que nos traem, caluniam, roubam e
nos magoam, são carentes, assim como nós, da Graça de Deus, e não de um raio
que os destruam. Infelizmente, chegamos diante do altar de Deus com as mãos
cheias de pedras, prontas para atirar e, repetidamente, precisamos ouvir de Sua
boca o mesmo discurso que nos libera a atirar a primeira pedra quando não tivermos
nenhum pecado.
E nos perguntamos para onde vai o
mundo? Ora, Deus nos deu o direito de escolher e nos advertiu que iríamos de
mal a pior, como estamos indo. Mesmo assim, a mensagem de esperança e retidão
continua sendo pregada. Em meio a tanta sujeira e desolação, eis que Ele nos
lembra que tem conservado uns tantos; todo joelho que não se curvou diante do
sistema, e toda boca que não beijou o modelo mundano.
O que dizer da correria
despropositada daqueles que foram chamados para cuidar da casa de Deus? Que
loucura é essa que nos adoece e nos faz entristecer uns com os outros, gerando
toda sorte de especulação maldosa e desentendimento com os irmãos? Por que
tantas indiretas e julgamentos pré-formatados acerca de comportamentos
geográficos, culturais e sociais das congregações A ou B? Por que tanta ênfase
é dada a artistas e pregadores que cobram por shows de música ou palestras
teológicas, sob a justificativa de pregar a Palavra de Deus? Acaso não estão
fazendo distinção entre os que podem e não podem pagar para receber aquilo que
Deus distribuiu em forma de talentos a alguns dos Seus?
Infelizmente, quando paramos para
pensar nestas coisas, acabamos nutrindo a mesma desolação e agonia que Jesus
nos ensinou que eram nocivas a nossa alma. Mas é impossível não reparar,
principalmente quando estamos um pouco afastados do transloucado dia-a-dia
dentro da congregação, a falta de lógica que esse afã por desempenho tem. Não
faz sentido! A Graça é o presente que está diametralmente oposto a qualquer mérito
e esforço humanos. Não é isso que todo o Novo Testamento insiste em dizer?
Certa vez, tendo sido interrogado pelos fariseus sobre quando viria o Reino de Deus, Jesus respondeu: "O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês". (Lc.17:20-21)
Não! O Reino de Deus não está no
Vaticano, nem no Templo Maior, nem em qualquer show ou espetáculo pirotécnico
com algum símbolo do peixe ou chama acesa. Isso ou aquilo são apenas símbolos,
lembretes de que Ele está dentro de nós, dentro daquele que olha para si e vê o
reinado de Deus em sua vida, daquele que entendeu que a busca não é esse
comichão atrás de holofotes, mas uma entrega. Para buscar o Reino de Deus, por
mais ilógico que aos nossos olhos possa parecer, é necessário parar de correr e
se entregar.
busca = entrega = crença = confiança = fé.
Jesus nos ensinou a pensar.
Talvez porque Ele sabia que viriam os falsos mestres a lecionar doutrinas
opostas à simplicidade do Reino. Ao proferir Suas parábolas, Jesus nada mais
estava fazendo do que nos ensinando a discernir através dos elementos
cotidianos e minimalistas do mundo. Pois, já que estamos inseridos no mundo,
por óbvio que vamos nos mover de acordo com o que vemos.
Ele prosseguiu dizendo:
"O Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente sobre a
terra. Noite e dia, quer ele durma quer se levante, a semente germina e cresce,
embora ele não saiba como.
A terra por si própria
produz o grão: primeiro o talo, depois a espiga e, então, o grão cheio na
espiga. Logo que o grão fica maduro, o homem lhe passa a foice, porque chegou a
colheita".
Novamente ele disse:
"Com que compararemos o Reino de Deus? Que parábola usaremos para
descrevê-lo? É como um grão de mostarda, que, quando plantada, é a menor
semente de todas.
No entanto, plantada,
ela cresce e se torna a maior de todas as hortaliças, com ramos tão grandes que
as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra". (Mc.
4:26-32)
Que a nossa conduta mude, afinal.
Que abandonemos essa correria inútil e desenfreada pela aprovação dos homens e
passemos a andar no anonimato da obra. Que uma mão não saiba o que a outra fez,
pois assim mesmo, em secreto, buscando dentro de nós mesmos a alegria do
Senhor, genuinamente amando o amor de Deus é que viveremos a promessa de vida
abundante.
Porque o reino de Deus não é comida
nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. (Rm.14.17)
As rotineiras festas dentro do nosso
clubinho seleto dos escolhidos não precisam terminar. Mas é necessário dizer
que a verdadeira festa Papai preparou para aqueles que amam o Anfitrião e não a
comilança. Está preparada para ser celebrada com um coração genuinamente puro e
imune às circunstâncias da vida, que entendeu que sua única tarefa é a de
repassar esse convite a todos os quais Ele nos enviar.
De nada adianta esse esforço só
com o intuito de mostrar serviço ou espiritualidade. Jesus já condenou isso há
milênios, quando os fariseus faziam o mesmo nas ruas para serem vistos. O que O
Grande Eu Sou espera de nós está lá fora no mundo, de onde Ele quer que tragamos
para as bodas, a tantos quantos nossa energia nos permitir.
Inútil vos será levantar de
madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, porque aos seus amados Ele o
dá enquanto dormem. (Sl.127.2)
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